terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

Olhar para fora, o pedido de Deus

É muito normal escutarmos pregações sobre o cuidado que precisamos ter em relação às nossas atitudes para com nós mesmos. Aprendemos o quanto não devemos mentir, roubar, transar antes do casamento, agredir ou outros tipos de pecados que estão centrados mais no mal que devemos evitar. Acredito que isso acontece porque somos narcisistas.

O ser humano, no geral, tem uma preocupação excessiva, chegando ao nível de doentia, consigo. O desejo de que saibam que é bom, justo e correto sobressai à atenção que deve ser dada ao próximo, para que esse saiba qual é o caminho a ser seguido.

Nessa gana de auto-justiça e a necessidade de se garantir diante de si mesmo, dos homens e de Deus, uma parte importante acaba sendo deixado de lado: as atitudes positivas.

Deixar de fazer algo ruim não é uma atitude por si só. Na verdade, é um campo neutro, como uma estagnação. Não se vai nem para a direita nem para a esquerda. Não se é quente nem morno. O não fazer é uma maneira de evitar o esforço e o pensar no que não se deve fazer é uma barreira para que se comece a construir o que deve ser feito.

É claro que não fazer é importante. Afinal, a decisão de não tomar uma atitude errada evita certas consequências. O problema é quando o "não" se torna a prioridade. É aí que se encontra o ponto de estagnação. Para ficar mais claro, vou dar um exemplo.

Eu tenho TOC (diagnosticado por psiquiatra, psicóloga e atualmente sendo medicada), o que me impede de muitas coisas. Quando tenho crises, meu foco maior é o no não: não posso atravessar a rua, senão serei atropelada; não posso andar de avião, porque ele pode cair; não posso sair, pois posso levar um tiro, entre tantas outras coisas que me levam a fazer nada, ficar deitada e perder toda a vida que me espera do lado de fora.

Levando isso em consideração, vamos pensar que temos um TOC moral. As igrejas, hoje, tem um foco muito específico: mostrar que estamos errados e precisamos melhorar. Isso não é errado, o problema é quando a mensagem não é trocada e não nos lembram de que somos salvos pela graça e a partir do momento que somos perdoados nos nossos pecados temos uma missão.

Durante anos (14, mais precisamente) passei domingos ouvindo o quanto eu precisava me arrepender e o quanto o mundo é ruim. Durante domingos tentaram me ensinar que existe uma capa de proteção chamada NÃO e que eu devo vesti-la para ser do jeito que Deus gosta, ser salva e ir para o céu. Durante a minha vida toda eu fui incentivada a morrer mais do que a viver.

O problema maior é que eu não sou a única. A igreja evangélica está doente porque não somos incentivados a olhar para fora. Deus nos chama para 1. olharmos para nós mesmos ("arrependei-vos porque é chegado o reino" - Mateus 4.17) e 2. segui-lo fazendo sua obra ("sigam-me e eu vos farei pescadores de homens" - Mateus 5.19).

É engraçado que o primeiro grande sermão de Jesus chama a atenção a boas obras para com terceiros, não para com si mesmo:

Mateus 5.1-16
1 Vendo as multidões, Jesus subiu ao monte e se assentou. Seus discípulos aproximaram-se dele, 2 e ele começou a ensiná-los, dizendo: 3 "Bem-aventurados os pobres em espírito, pois deles é o Reino dos céus. 4 Bem-aventurados os que choram, pois serão consolados. 5 Bem-aventurados os humildes, pois eles receberão a terra por herança. 6 Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, pois serão satisfeitos. 7 Bem-aventurados os misericordiosos, pois obterão misericórdia. 8 Bem-aventurados os puros de coração, pois verão a Deus. 9 Bem-aventurados os pacificadores, pois serão chamados filhos de Deus. 10 Bem-aventurados os perseguidos por causa da justiça, pois deles é o Reino dos céus. 11 "Bem-aventurados serão vocês quando, por minha causa os insultarem, perseguirem e levantarem todo tipo de calúnia contra vocês. 12 Alegrem-se e regozijem-se, porque grande é a recompensa de vocês nos céus, pois da mesma forma perseguiram os profetas que viveram antes de vocês". 13 "Vocês são o sal da terra. Mas se o sal perder o seu sabor, como restaurá-lo? Não servirá para nada, exceto para ser jogado fora e pisado pelos homens. 14 "Vocês são a luz do mundo. Não se pode esconder uma cidade construída sobre um monte. 15 E, também, ninguém acende uma candeia e a coloca debaixo de uma vasilha. Pelo contrário, coloca-a no lugar apropriado, e assim ilumina a todos os que estão na casa. 16 Assim brilhe a luz de vocês diante dos homens, para que vejam as suas boas obras e glorifiquem ao Pai de vocês, que está nos céus".

As bem-aventuranças trazem, em sua essência, um pedido de humildade de Jesus para as pessoas. E através delas é possível ver aquilo que agrada a Deus. Mas chama muito a atenção, também, o aviso de que somos o sal da terra. Dá a entender que se as obras de justiça não forem feitas, todo o resto serve para nada. Assim como a luz. As boas ações de acordo com os olhos do Pai levam clareza para o mundo. Mas se essas não são feitas, como o mundo enxergará?

Ainda em Mateus 5, Jesus pede que amem os inimigos, não apenas os amigos, para que sejam reconhecidos como "filhos de seu Pai que está no céu" (versículos 43 a 48). Tiago, lembrado muitas vezes, afirma que a fé sem obras é morta (Tiago 2. 14-26).

É importante, porém, lembrar que não é o que prega a Teologia da Libertação que salva as pessoas. Apesar de Tiago afirmar "de que adianta, meus irmãos, alguém dizer que tem fé, se não tem obras? Acaso a fé pode salvá-lo?", é a graça que nos leva a Cristo. O ponto em questão é: como podemos experimentar melhor a vida com Deus?

Como Isaías 58.6-11 diz:

"O jejum que desejo não é este: soltar as correntes da injustiça, desatar as cordas do jugo, pôr em liberdade os oprimidos e romper todo jugo? Não é partilhar sua comida com o faminto, abrigar o pobre desamparado, vestir o nu que você encontrou, e não recusar ajuda ao próximo? Aí sim, a sua luz irromperá como a alvorada, e prontamente surgirá a sua cura; a sua retidão irá adiante de você, e a glória do Senhor estará na sua retaguarda. Aí sim, você clamará ao Senhor, e ele responderá; você gritará por socorro, e ele dirá: Aqui estou. Se você eliminar do seu meio o jugo opressor, o dedo acusador e a falsidade do falar; se com renúncia própria você beneficiar os famintos e satisfizer o anseio dos aflitos, então a sua luz despontará nas trevas, e a sua noite será como o meio-dia. O Senhor o guiará constantemente; satisfará os seus desejos numa terra ressequida pelo sol e fortalecerá os seus ossos. Você será como um jardim bem regado, como uma fonte cujas águas nunca faltam".

No contexto, os israelitas são repreendidos por seus jejuns vazios e hipócritas ("contudo, no dia do seu jejum vocês fazem o que é do agrado de vocês e exploram os seus empregados. Seu jejum termina em discussão e rixa, e em brigas de soco brutais" - Isaías 58.3-4). Mesmo diante de suas ações ruins, o povo de Israel ainda demanda que seus pedidos sejam atendidos por Deus. Então, o Senhor os ensina como conseguir as bençãos que eles querem: através do jejum que o agrada.

Conclusão:

1. Focar no que não devemos fazer é um resultado da raiz legalista que atingiu muitas igrejas nos tempos modernos;
2. Focar no que não devemos fazer nos leva a esquecer o que Deus quer que façamos;
3. Deus quer que executemos atos de justiça;
4. Somente através do amor ao próximo chegamos a Deus;
5. Focar em Deus é o ponto principal.

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