domingo, 23 de junho de 2013

O inimigo em Jogos Vorazes e o atordoado despertar do gigante


Dilma Rousseff não é o Presidente Snow

[CONTÉM SPOILERS]

Sem qualquer sinal de vergonha, confesso que aos 21 anos li entusiasmadamente a trilogia infanto-juvenil Jogos Vorazes, de Suzanne Collins. Foram horas, dias e semanas gastas com um dos livros mais importantes que acredito já ter lido. Ironicamente, pouco tempo após o término da leitura da série, o Brasil entrou em algo que, a principio, parecia ser uma revolução, tendo como estopim o aumento no preço da passagem de ônibus de diversas cidades do Brasil.

Devido ao recente contato com essa literatura e ao envolvimento com os personagens e suas causas, não demorei a associar alguns fatos do livro ao momento pelo qual o país passava. Claro que em escalas diferentes – tenho bom senso, né?

Nesse artigo, gostaria de abordar apenas uma questão: o foco do último capítulo de Em Chamas, o segundo da trilogia. “O inimigo”.

[COMPLETAMENTE SPOILER A PARTIR DAQUI]

Katniss Everdeen e Peeta Mellark se encontravam na arena dos Jogos Vorazes mais uma vez. Pelo segundo ano seguido teriam que lutar até a morte, e agora apenas um deles, sem qualquer regalia, poderia ser contemplado com a vida ao final do 75ª Jogos Vorazes, ou 3º Massacre Quaternário (edição especial do reality show a cada 25 anos). Ou seja, ambos eram inimigos de todos, além de um ser uma ameaça constante ao outro.

Antes, porém, de os Jogos começarem, Haymitch Abernathy, o mentor de Katniss e Peeta, disse à garota: “quando você estiver na arena, lembre-se de quem é seu verdadeiro inimigo”. A adolescente ficou confusa, afinal, uma vez que estava determinada a defender seu parceiro de distrito da morte iminente, qualquer outro tributo que tivesse a pretensão de mata-la, ou ao seu amigo/amante, não era, no mínimo, passível de confiança.

Katniss, no entanto, se esqueceu do conselho. Só lembrou-se da dica de seu mentor quando pensou estar diante do fim de sua vida. O real inimigo era o SISTEMA, nomeado na trilogia infanto-juvenil de Capital – a capital do país Panem.

Capital, o símbolo do sistema

Hoje, no Brasil, a população se levantou inicialmente contra o aumento do preço da passagem do transporte público em diversas cidades. Como isso atinge diretamente as finanças de uma importante parcela dos trabalhadores, a causa alcançou diversos adeptos. Contudo, o que realmente incitou a adesão em larga escola foi a repressão da polícia aos manifestantes, os quais faziam seu protesto pacificamente. A omissão e desonestidade da imprensa diante dos fatos, apresentados principalmente através da exposição em redes sociais de vídeos e depoimentos de pessoas presentes nos atos, foi, também, um dos estopins para o surgimento de uma indignação geral.

Tal indignação foi canalizada para todas as mazelas que envolvem a política brasileira.

Dando um grande salto em todo o desenrolar da história, após a tomada das ruas por milhões de pessoas dentro e fora do Brasil no dia 17 de junho, os prefeitos das cidades de São Paulo e Rio de Janeiro, em 18 de junho, quase que ao mesmo tempo, cederam à pressão das ruas e anunciaram a diminuição nos preços das passagens. Até aí, outros municípios já haviam feito o mesmo, e mais cidades também adotaram essa postura.

Vitória, era o que parecia. Mais ou menos o sentimento de Katniss Everdeen ao vencer a 74ª edição dos Jogos Vorazes, como se tivesse derrotado a Capital e o Presidente Snow para sempre com nada além de amoras. Mais ou menos. Os brasileiros queriam mais. Foi aí que o movimento pela mudança no país começou a perder seu rumo.

Pautados pela página AnonymousBr, no Facebook, a população começou a seguir por caminhos suspeitos, como discriminar partidos políticos. Não importava como isso seria feito, as bandeiras partidárias deveriam ser retiradas dos protestos, mesmo que com violência. Outro ponto que fez com que a força do povo entrasse em um processo de evaporação foi a ausência de um grupo organizador que pudesse representar uma liderança, como o Movimento Passe Livre na luta pela revogação do preço das passagens.

Apesar da conquista no transporte público, os brasileiros ainda foram às ruas. O grande ato seguinte estava marcado para o dia 20 de junho, uma quinta-feira. Na Avenida Paulista, onde fui, estava bem tranquilo. Vi uma forma diferente de protesto, algo que outras pessoas não viam como um protesto. Em outras cidades, no entanto, houve forte repressão. O Rio de Janeiro foi o destaque desse tipo de atitude.

A indignação crescia cada vez mais, assim como o número de pessoas nas ruas.

O que se viu depois, no entanto, foi um debate nacional nas redes sociais sobre o que estava certo e errado nas manifestações. Aos poucos, a própria população se dividiu entre acreditar nas idas às ruas e menosprezar as causas propostas à mudança do país. Os que já eram contra os protestos, apenas postavam os quanto estavam certos desde o começo e como não viam outro fim para um movimento sem liderança. Os que iam às ruas, porém recuaram, se mostravam infelizes com os rumos tomados e apontavam os erros e equívocos dos pedidos da massa. Aqueles que resolveram entrar de cabeça na onda revolucionária, o fizeram de maneira desordenada e sem conhecimento, provando o prejuízo da falta de uma formação política no país.

Mas, afinal, não existe uma causa comum para se lutar contra?

O Brasil é um país cuja política foi distorcida. Os cidadãos não sabem de sua importância nas decisões tomadas para a nação. Não sabem que são seres naturalmente políticos. Talvez, depois do passo para trás dado em relação às passagens e ao adiamento da votação da PEC 37 por nossos representantes, isso tenha ficado um pouco mais claro. O problema, ainda, é que existe uma classe dominando essa informação, esse poder de dar direções.

A verdade é que todos os brasileiros tem o mesmo inimigo: a falta de informação – o que abrange o ensino e a verdade.

Na arena, Katniss Everdeen só percebeu que seu foco estava nas pessoas erradas quando outras tantas já haviam morrido. Ao se dar conta de sua real missão, a adolescente tomou uma atitude de coragem e explodiu aquele campo de energia que prendia os tributos em uma jaula mortífera, gerava a inimizade, o desprezo e o ódio, principais responsáveis pelo atraso na vitória contra a Capital, o sistema.

E nós, brasileiros?

Queremos tudo, mas não sabemos nada. Como seguir em frente? (Avenida Paulista)

É hora de parar com a frescura de antipartidarismo – o PSOL foi aliado do Movimento Passe Livre desde o primeiro protesto contra o aumento da passagem. É hora de parar de criticar as massas. Se elas estão com o foco errado, é porque não foram ensinadas.

Meu posicionamento é de que o povo brasileiro não pode ser cobrado por aquilo que não conhece, e, infelizmente, a maioria das pessoas está alienada pela mídia que comanda o nosso país. Esse momento deve ser de solidariedade, de enxergar as lacunas na criação do seu compatriota e se esforçar para mostrar aquilo que ele não consegue ver. É só através da informação que o principal objetivo será atingido.

Existe uma causa, que tem várias ramificações. Causas que não serão resolvidas com um impeachment de Dilma Rousseff ou com a votação de Joaquim Barbosa a presidente do país. Calma, lá!

Não seja tão de direita, nem tão de esquerda, sem antes saber o que cada um significa. Se não conhece, não fale.

Lembre-se que o gigante acordou de um pesadelo. Não tente aliviar o sentimento ruim de modo apenas momentâneo.

Eu ainda estou na luta, ciente de que existe uma causa e de que ainda dá para mudar muitas coisas.

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