Ontem à noite fui surpreendida
com a efusiva comemoração de que Mike Krzyzewski, técnico do basquete masculino
da Duke University desde 1980, conquistou sua milésima vitória na NCAA. Grande
feito, sem dúvidas. Mas me surpreendeu quem comemorava entusiasmadamente o fato
de ser “o primeiro da NCAA a atingir essa marca”.
Acontece que isso não é verdade. Mike
Krzyzewski, conhecido como Coach K, foi o primeiro técnico a atingir 1 mil
vitórias na primeira divisão do basquete masculino da NCAA. Anos antes outra
pessoa já havia feito isso. Uma mulher. Uma mulher incrível, na verdade: Pat Summit atingira
os quatro dígitos em sua carreira com a University of Tennessee.
Pat Summit, à esquerda, e Mike Krzyzewski, à direita
Ledo engano ou puro sexismo? O
desserviço de meias-notícias no jornalismo tem provado que por qualquer um
desses motivos as consequências da circulação de informações mal apuradas são
refletidas no estancamento da evolução de modalidades e investimentos em
equipes e ligas. No caso do basquete feminino, a situação é ainda mais
drástica.
Pat Summit se tornou conhecida
nos últimos anos por ter encerrado sua carreira antes do esperado devido ao diagnóstico
precoce de Alzheimer. Em 2012, a comandante se afastou das quadras, deixando um
legado de invejar técnicos tanto na esfera universitária quanto na profissional
ou internacional (FIBA).
Foram oito títulos conquistados
com as Lady Vols, com planteis recheados de grandes jogadoras que adentraram a
WNBA e o basquete internacional, sendo os principais nomes Candace Parker e
Tamika Catchings, além de Kara Lawson, que hoje já está em fim de carreira, e
Michelle Snow e Chamique Holdsclaw, aposentadas. Quando a técnica anunciou seu
estado de saúde e o iminente fim das atividades basquetebolísticas a comoção foi
enorme.
Quem acompanha o esporte da bola
laranja sabe a importância de Summit para a modalidade, sua dedicação ao ensino
do basquete e às vitórias da instituição de ensino objeto de desejo de muitas
garotas que sonham em virar estrelas do esporte.
Pat Summit, no meio, e suas
ex-atletas Kyra Elzy, Michelle Marciniak, Candace Parker, Chamique Holdsclaw e
Tamika Catchings, da esquerda para a direita (Foto: Wade Rackley, Tennessee Athletics)
O fato de todo esse histórico ser
ignorado diante do marco atingido por Mike Krzyzewski é prejudicial no sentido
de sepultamento da memória e sucateamento do basquete feminino em esfera
internacional.
A realidade feminina dentro dos
esportes é extremamente difícil. Mulheres que estão envolvidas neste mundo,
sejam atletas, técnica, jornalistas, empresárias ou gerentes de equipes,
conhecem todas as barreiras que precisam quebrar para alcançar a credibilidade
diante de uma maioria de homens que as avalia por sua aparência ante suas
habilidades.
Jornalisticamente falando, quando
publica-se um fato é importante que todo o cenário seja especificado para o
leitor. Portanto, no caso das mil vitórias do Coach K, seria extremamente
necessário mencionar que o técnico chegou a essa marca no BASQUETE
UNIVERSITÁRIO MASCULINO, não simplesmente na NCAA. Esse segundo caso abrange
toda a competição.
Depois, o ideal seria informar
que essa não era a primeira vez que um comandante chega ao milésimo triunfo no
cenário universitário, mas que este era precedida por – tcharam – Pat Summit,
técnica da University of Tennessee. Isso custaria um parágrafo de poucas
linhas. Vamos ver?
“O técnico Mike Krzyzewski, da Universidade de Duke, chegou a mil
vitórias na NCAA após triunfo por 77 a 68 contra St. John no emblemático
Madison Square Garden, em Nova Iorque, na noite do domingo. O comandante se
tornou o segundo a alcançar dígitos quádruplos no basquete universitário, sendo
o primeiro entre os homens.”
Um simples lead/lide com, quem, o que, como, quando e onde, do qual minha
professora do primeiro semestre da faculdade de jornalismo ficaria orgulhosa.
Depois da introdução, não precisava nem comentar sobre Pat Summit, mas se é
para ignora-la e deixar de lado o seu feito, que pelo menos a ordem dos fatores
fosse respeitada.
Aqui no Brasil eu não vi
jornalistas comentando sobre a técnica mão de ferro em seus textos. Nos Estados
Unidos os veículos de comunicação foram mais cuidadosos em especificar um “Duke head coach Mike Krzyzewski became the
first Division I men's basketball
coaching to earn 1,000 wins on Sunday”. Talvez porque eles saibam a importância
do basquete universitário e de Pat Summit e se preocupem com o pouco de
respeito que podem ter com sua memória.
À esquerda, Seattle Seahawks campeão do SuperBowl 48, à direita, Seattle Storm campeão da WNBA em 2010
Uma outra situação mostrou a
pouca importância dada para o basquete feminino. O Seattle Seahawks foi o campeão
da última temporada da NFL e o comentário dos narradores e comentaristas da
partida contra o Denver Broncos era: “a cidade de Seattle finalmente conhece um
título depois anos sem conquistar um troféu”. Em 1979 O Seattle Supersonics derrotara o
então Washington Bullets por 4-0 nas finais da NBA e as outras equipes de lá não lograram mais campeonatos.
O problema é que o Seattle Storm, franquia de basquete feminino da WNBA, já
havia conquistado não somente um, mas dois títulos bem recentemente. O primeiro
em 2004 e o segundo em 2010. Além de ter chegado ao topo da moadlidade, a equipe contava com as melhores jogadoras do esporte: Lauren
Jackson e Sue Bird.
Ledo engano ou puro sexismo? A
verdade é que a expressão “conhecer bem esportes” significa saber o que acontece nas
modalidades masculinas, não tendo problema ignorar as femininas. Agora,
entender muito bem do que acontece no cenário esportivo das mulheres não vale
como gabarito para comentar em veículos de comunicação ou rodas de amigos.
A capital do estado de
Washington, nos Estados Unidos, tem times muito conhecidos. O de futebol
americano, o falido Seattle Supersonics, da NBA (basquete), o Seattle Sounders
FC, da MLS (futebol), e o Seattle Mariners, da MLB (baseball). Mas uma outra
equipe também chama a atenção, o Seattle Reigns FC, da NWSL (futebol feminino),
que conta com Hope Solo em seu elenco.
Aqui no Brasil vemos um descaso
vergonhoso com o basquete feminino, que guarda uma das histórias mais ricas no
cenário internacional. A seleção brasileira é uma das únicas campeãs mundiais,
ao lado dos Estados Unidos (8), União Soviética (7) e Austrália (1). A maior
cestinha de mundiais da FIBA é brasileira: Hortência. O país que mais sediou
mundiais foi o nosso. Hoje, Érika de Souza é uma das pivôs mais importantes do
mundo, Damiris Dantas é uma ala/pivô que causou uma impressão surreal naWNBA,
Tainá Paixão estragou adversários na campeonato da Turquia, Também temos estrangeiras
mais do que relevantes vindo jogar na LBF e o que fazemos com isso?
Conquista do ouro brasileiro em 1994 completou 20 anos no ano passado. Qual foi a importância dada pela mídia?
A Globo, principal parceira da
liga feminina, transmite meia dúzia de jogos aos sábados de manhã no SporTV,
jornalistas não escrevem sobre o assunto, senão para reclamar do que mal
acompanham. Comentaristas insistem em abaixar o aro para que as mulheres possam
enterrar.
No futebol, o Santos extinguiu a
equipe feminina e manteve o Neymar, Marta ganhou a bola de ouro da FIFA cinco
vezes e jamais teve o mesmo reconhecimento que a mídia brasileira dá para
Cristiano Ronaldo. E quando vemos notícias de esportes femininos, é mais comum
ler sobre as “beldades” dos campeonatos do que as habilidades das incríveis
atletas que tiveram que passar pelas mais adversas situações para alcançar o
topo.
Ledo engano ou puro sexismo?
Sexismo.
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