terça-feira, 27 de janeiro de 2015

Ledo engano ou puro sexismo? – O triste mundo do basquete feminino

Ontem à noite fui surpreendida com a efusiva comemoração de que Mike Krzyzewski, técnico do basquete masculino da Duke University desde 1980, conquistou sua milésima vitória na NCAA. Grande feito, sem dúvidas. Mas me surpreendeu quem comemorava entusiasmadamente o fato de ser “o primeiro da NCAA a atingir essa marca”.

Acontece que isso não é verdade. Mike Krzyzewski, conhecido como Coach K, foi o primeiro técnico a atingir 1 mil vitórias na primeira divisão do basquete masculino da NCAA. Anos antes outra pessoa já havia feito isso. Uma mulher. Uma mulher incrível, na verdade: Pat Summit atingira os quatro dígitos em sua carreira com a University of Tennessee.
Pat Summit, à esquerda, e Mike Krzyzewski, à direita

Ledo engano ou puro sexismo? O desserviço de meias-notícias no jornalismo tem provado que por qualquer um desses motivos as consequências da circulação de informações mal apuradas são refletidas no estancamento da evolução de modalidades e investimentos em equipes e ligas. No caso do basquete feminino, a situação é ainda mais drástica.

Pat Summit se tornou conhecida nos últimos anos por ter encerrado sua carreira antes do esperado devido ao diagnóstico precoce de Alzheimer. Em 2012, a comandante se afastou das quadras, deixando um legado de invejar técnicos tanto na esfera universitária quanto na profissional ou internacional (FIBA).

Foram oito títulos conquistados com as Lady Vols, com planteis recheados de grandes jogadoras que adentraram a WNBA e o basquete internacional, sendo os principais nomes Candace Parker e Tamika Catchings, além de Kara Lawson, que hoje já está em fim de carreira, e Michelle Snow e Chamique Holdsclaw, aposentadas. Quando a técnica anunciou seu estado de saúde e o iminente fim das atividades basquetebolísticas a comoção foi enorme.

Quem acompanha o esporte da bola laranja sabe a importância de Summit para a modalidade, sua dedicação ao ensino do basquete e às vitórias da instituição de ensino objeto de desejo de muitas garotas que sonham em virar estrelas do esporte.
Pat Summit, no meio, e suas ex-atletas Kyra Elzy, Michelle Marciniak, Candace Parker, Chamique Holdsclaw e Tamika Catchings, da esquerda para a direita (Foto: Wade Rackley, Tennessee Athletics)

O fato de todo esse histórico ser ignorado diante do marco atingido por Mike Krzyzewski é prejudicial no sentido de sepultamento da memória e sucateamento do basquete feminino em esfera internacional.

A realidade feminina dentro dos esportes é extremamente difícil. Mulheres que estão envolvidas neste mundo, sejam atletas, técnica, jornalistas, empresárias ou gerentes de equipes, conhecem todas as barreiras que precisam quebrar para alcançar a credibilidade diante de uma maioria de homens que as avalia por sua aparência ante suas habilidades.

Jornalisticamente falando, quando publica-se um fato é importante que todo o cenário seja especificado para o leitor. Portanto, no caso das mil vitórias do Coach K, seria extremamente necessário mencionar que o técnico chegou a essa marca no BASQUETE UNIVERSITÁRIO MASCULINO, não simplesmente na NCAA. Esse segundo caso abrange toda a competição.

Depois, o ideal seria informar que essa não era a primeira vez que um comandante chega ao milésimo triunfo no cenário universitário, mas que este era precedida por – tcharam – Pat Summit, técnica da University of Tennessee. Isso custaria um parágrafo de poucas linhas. Vamos ver?

“O técnico Mike Krzyzewski, da Universidade de Duke, chegou a mil vitórias na NCAA após triunfo por 77 a 68 contra St. John no emblemático Madison Square Garden, em Nova Iorque, na noite do domingo. O comandante se tornou o segundo a alcançar dígitos quádruplos no basquete universitário, sendo o primeiro entre os homens.”

Um simples lead/lide com, quem, o que, como, quando e onde, do qual minha professora do primeiro semestre da faculdade de jornalismo ficaria orgulhosa. Depois da introdução, não precisava nem comentar sobre Pat Summit, mas se é para ignora-la e deixar de lado o seu feito, que pelo menos a ordem dos fatores fosse respeitada.

Aqui no Brasil eu não vi jornalistas comentando sobre a técnica mão de ferro em seus textos. Nos Estados Unidos os veículos de comunicação foram mais cuidadosos em especificar um “Duke head coach Mike Krzyzewski became the first Division I men's basketball coaching to earn 1,000 wins on Sunday”. Talvez porque eles saibam a importância do basquete universitário e de Pat Summit e se preocupem com o pouco de respeito que podem ter com sua memória.
À esquerda, Seattle Seahawks campeão do SuperBowl 48, à direita, Seattle Storm campeão da WNBA em 2010

Uma outra situação mostrou a pouca importância dada para o basquete feminino. O Seattle Seahawks foi o campeão da última temporada da NFL e o comentário dos narradores e comentaristas da partida contra o Denver Broncos era: “a cidade de Seattle finalmente conhece um título depois anos sem conquistar um troféu”. Em 1979 O Seattle Supersonics derrotara o então Washington Bullets por 4-0 nas finais da NBA e as outras equipes de lá não lograram mais campeonatos.

O problema é que o Seattle Storm, franquia de basquete feminino da WNBA, já havia conquistado não somente um, mas dois títulos bem recentemente. O primeiro em 2004 e o segundo em 2010. Além de ter chegado ao topo da moadlidade, a equipe contava com as melhores jogadoras do esporte: Lauren Jackson e Sue Bird.

Ledo engano ou puro sexismo? A verdade é que a expressão “conhecer bem esportes” significa saber o que acontece nas modalidades masculinas, não tendo problema ignorar as femininas. Agora, entender muito bem do que acontece no cenário esportivo das mulheres não vale como gabarito para comentar em veículos de comunicação ou rodas de amigos.

A capital do estado de Washington, nos Estados Unidos, tem times muito conhecidos. O de futebol americano, o falido Seattle Supersonics, da NBA (basquete), o Seattle Sounders FC, da MLS (futebol), e o Seattle Mariners, da MLB (baseball). Mas uma outra equipe também chama a atenção, o Seattle Reigns FC, da NWSL (futebol feminino), que conta com Hope Solo em seu elenco.

Aqui no Brasil vemos um descaso vergonhoso com o basquete feminino, que guarda uma das histórias mais ricas no cenário internacional. A seleção brasileira é uma das únicas campeãs mundiais, ao lado dos Estados Unidos (8), União Soviética (7) e Austrália (1). A maior cestinha de mundiais da FIBA é brasileira: Hortência. O país que mais sediou mundiais foi o nosso. Hoje, Érika de Souza é uma das pivôs mais importantes do mundo, Damiris Dantas é uma ala/pivô que causou uma impressão surreal naWNBA, Tainá Paixão estragou adversários na campeonato da Turquia, Também temos estrangeiras mais do que relevantes vindo jogar na LBF e o que fazemos com isso?
Conquista do ouro brasileiro em 1994 completou 20 anos no ano passado. Qual foi a importância dada pela mídia?

A Globo, principal parceira da liga feminina, transmite meia dúzia de jogos aos sábados de manhã no SporTV, jornalistas não escrevem sobre o assunto, senão para reclamar do que mal acompanham. Comentaristas insistem em abaixar o aro para que as mulheres possam enterrar.

No futebol, o Santos extinguiu a equipe feminina e manteve o Neymar, Marta ganhou a bola de ouro da FIFA cinco vezes e jamais teve o mesmo reconhecimento que a mídia brasileira dá para Cristiano Ronaldo. E quando vemos notícias de esportes femininos, é mais comum ler sobre as “beldades” dos campeonatos do que as habilidades das incríveis atletas que tiveram que passar pelas mais adversas situações para alcançar o topo.

Ledo engano ou puro sexismo?

Sexismo.

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